A 80 quilômetros da costa da Toscana, na Itália, em uma extensão azul cintilante interrompida apenas por ilhotas rochosas e inóspitas, incluindo a ilha real de Montecristo, criaturas antigas estão sob a superfície.
Passam os dias se alimentando de uma fonte improvável de nutrição: o metano, potente gás de efeito estufa que vaza das fendas no fundo do mar.
Planeta em Transe
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Ultimamente, pesquisadores têm tentado colocar esses microrganismos para trabalhar em uma tarefa urgente.
Se o apetite deles puder ser redirecionado para outras fontes de seu gás favorito, como as centenas de milhões de toneladas de metano que aquecem o planeta e que são emitidas anualmente por locais de extração de petróleo e gás, pela pecuária e pelos pântanos, esses micróbios poderão ajudar a desacelerar as mudanças climáticas.
Mas, antes de tudo, os pesquisadores precisam entender melhor esses microrganismos, que estão na Terra há bilhões de anos, mas permanecem enigmáticos em muitos aspectos.
Um lugar em que eles gostam de viver é o fundo do oceano, onde o metano enterrado no planeta escorre através de fissuras no leito marinho.
Em 2017, trabalhadores em barcos pesqueiros relataram ter visto um jato de água suja de nove metros irromper do mar, perto de Montecristo. Geólogos descobriram uma série de vulcões de lama offshore, borbulhando metano no mar azul-celeste.
Mas, até este ano, ninguém havia tentado capturar os organismos que se alimentam desse gás. Foi então que Braden Tierney e dois colegas navegaram pelo mar Tirreno, na costa oeste da Itália, em uma noite fria de verão.
“Flutuar sobre um lugar que explodiu com violência há menos de dez anos dá uma sensação estranha”, disse Tierney, microbiologista norte-americano.
A maior parte do metano na atmosfera da Terra é produzida por micróbios que decompõem matéria vegetal e animal em pântanos, em aterros sanitários e no estômago das vacas, mas microrganismos de um tipo diferente devoram metano. E foi só nas últimas décadas que os cientistas começaram a entender como eles fazem isso.
No que se refere às moléculas, o metano é uma escolha alimentar estranha para qualquer organismo. É o ingrediente principal do gás natural, de modo que contém muita energia. Qualquer pessoa que já tenha acendido um fósforo perto de um cano de gás pode confirmar isso. Mas, para fazer uso dele, os micróbios precisam de algumas manobras químicas desafiadoras e gastam boa parte da própria energia.
Contudo, assim que os cientistas começaram a identificar e decifrar as bactérias capazes de efetuar essa conversão, passaram a encontrá-las em todos os lugares: nos rios, no solo, em fontes hidrotermais no fundo do mar e até na casca das árvores. Em alguns ambientes, as bactérias absorvem o metano antes mesmo que ele tenha a chance de alcançar a atmosfera.
O efeito cumulativo de todos esses micróbios que consomem metano, ou metanotróficos, como são chamados, é colossal.
“Em âmbito global, todos os metanotróficos do planeta estão consumindo muitas vezes a quantidade de metano que os humanos vêm liberando na atmosfera”, disse James Henriksen, microbiologista ambiental da Universidade Estadual do Colorado.
Isso significa que, na atualidade, a Terra provavelmente seria ainda mais quente sem a ação dessas criaturas. Também significa que, se pudessem ser estimulados a trabalhar um pouco mais, esses micróbios poderiam resfriar o planeta, como os primos guerreiros climáticos de outros microrganismos que usamos para produzir medicamentos, matar pragas agrícolas e tratar águas residuais.
Até agora, no entanto, os comedores de metano têm se mostrado difíceis de controlar. Alguns morrem com uma exposição mínima ao oxigênio. Muitos trabalham em simbiose com outros organismos, como uma equipe pequena.
“Eles dependem uns dos outros e, certamente, de outros fatores, mas não sabemos exatamente do que precisam”, afirmou Jeffrey Marlow, professor assistente de biologia da Universidade de Boston.
É por isso que Henriksen, Tierney e uma cientista genômica, Krista Ryon, têm feito viagens a alguns dos ambientes mais extremos da Terra, com o objetivo de saber se os micróbios nesses lugares podem ser suficientemente diferentes —ou estranhos o bastante— para ajudar a reduzir os danos que o uso de combustíveis fósseis e a agricultura da era industrial causaram ao planeta.
Os três cientistas e seus colaboradores coletaram amostras de fontes termais ao redor do Colorado. Mergulharam em fontes vulcânicas na Sicília, no Japão e em Papua-Nova Guiné. Para que pudessem organizar suas viagens pelo mundo, fundaram uma organização sem fins lucrativos, o Two Frontiers Project (Projeto Duas Fronteiras), que é financiado pela fabricante de probióticos Seed Health e por outros doadores.
Até agora, o Two Frontiers tem procurado sobretudo bactérias que se nutrem de dióxido de carbono, o principal gás de efeito estufa que está aquecendo a Terra.
Uma cepa que a equipe encontrou na Sicília provou ser tão eficiente que 11 litros dessa bactéria poderiam, em teoria, absorver e reter tanto dióxido de carbono quanto uma árvore.
Os pesquisadores ainda estão trabalhando para descobrir como cultivá-la e implantá-la em grande escala. Neste momento, o Two Frontiers está ampliando sua busca de outros tipos de devoradores de metano, pois este tem um poder de retenção de calor muito maior do que o dióxido de carbono, embora permaneça na atmosfera por menos tempo.
Muitos devoradores de metano “realmente incríveis” ainda esperam para serem descobertos, disse Mary Lidstrom, professora emérita de engenharia química e microbiologia da Universidade de Washington. Sabe aqueles metanotróficos na casca das árvores? Os cientistas os descobriram há apenas alguns anos. “A natureza sempre nos surpreende”, ela comentou.
A bordo do barco de mergulho, Tierney, Ryon e Gabriele Turco, ecologista marinho da Universidade de Palermo, aguardavam o amanhecer com grande expectativa. Os cientistas haviam deixado o porto à meia-noite. Depois de navegar para oeste durante quatro horas, lançaram âncora e contemplaram as águas escuras.
Alguém acendeu um holofote. Na borda do barco, vindas das profundezas, bolhas de gás borbulhavam preguiçosamente. Era um possível sinal de vazamento de metano.
Segundo Turco, que também trabalha para o Centro Nacional de Biodiversidade Futura da Itália, este canto do Mediterrâneo é um território virgem para os biólogos. “Estudamos só algumas partes da ponta do iceberg.”
Depois do amanhecer, os cientistas vestiram seu equipamento de mergulho e entraram na água. Sob suas nadadeiras, uma tigela gigantesca de areia e sedimentos se inclinava suavemente, formando a cúpula perfeita de um vulcão de lama.
A equipe começou na base, aproximadamente 15 metros abaixo da superfície da água. Coletaram amostras de água do mar, sedimentos e biomassa —conjuntos de micróbios que podem ser descritos como semelhantes a muco.
Tierney examinou as rochas cobertas de algas. Preso a uma pedra, havia um pedaço felpudo de biomassa roxa do tamanho de uma goma de mascar. Ele o colocou em um saco, empolgado com a descoberta.
Poucos minutos depois, Turco avistou um minivulcão de lama na lateral da grande chaminé. Tierney abriu um tubo de amostra e o enfiou na areia. Três bolhas volumosas surgiram. A pequena colina balançava como pudim quando tocada, sinal de que estava repleta de gás e, provavelmente, também de vida microbiana.
Ao longo do grande vulcão, os pesquisadores coletaram 22 amostras, que colocaram em uma caixa térmica a bordo do barco.
Na manhã seguinte, mergulharam perto da ilha de Elba, entre prados ondulantes de ervas marinhas e os destroços do Elviscot, navio de carga que naufragou nas rochas em 1972. Para a alegria de Tierney, ele encontrou outra bolha roxa, o que sugeria que os dois ambientes poderiam ser quimicamente semelhantes, apesar de estarem a 40 quilômetros de distância.
Ao todo, a equipe coletou 43 amostras, que foram levadas de volta para terra firme a fim de serem processadas no laboratório improvisado dentro do Airbnb que haviam alugado. Extraíram os micróbios dos sacos plásticos e os injetaram em frascos cheios de diferentes caldos nutritivos para verificar quais ambientes as bactérias preferiam.
Depois que os micróbios foram colocados em novos frascos, a equipe enviou os minúsculos viajantes por FedEx para o laboratório de Henriksen no Colorado, onde foram alimentados com metano e deixados para crescer.
Surpresas da natureza
No momento, as maneiras tecnologicamente mais simples de reduzir o nível de metano na atmosfera não têm nada a ver com bactérias. Envolvem impedir que o metano seja liberado, consertando vazamentos em tubulações, mantendo resíduos orgânicos fora dos aterros sanitários e mudando os alimentos que as vacas consomem.
Atualmente, entretanto, essas soluções de baixa tecnologia não estão sendo usadas de forma ampla o suficiente para reduzir as emissões. Alguns cientistas esperam que os micróbios possam ajudar.
Lidstrom e seus colegas da Universidade de Washington estão trabalhando em um dispositivo que removeria o metano bombeando o ar acima dos locais de emissão através de um tanque cheio de sopa microbiana. De acordo com ela, o desafio é fazer isso na mesma escala da atmosfera. Mover volumes imensos de ar exigiria muita energia. Esta, se for produzida pela queima de combustíveis fósseis, anula parcialmente os benefícios climáticos do empreendimento.
A equipe do Two Frontiers ainda está analisando as amostras coletadas neste verão setentrional na Itália. Os primeiros resultados são promissores: entre as amostras, há um grupo simbiótico de algas e bactérias que parece usar a luz solar e o metano para crescer. Esse tipo de combinação microbiana pode ser útil para capturar metano em arrozais, fonte importante de emissões.
Para sua próxima expedição, a Two Frontiers está procurando locais mais secos, com vulcões de lama em terra. Marlow, da Universidade de Boston, disse que espera explorar o fundo do mar ao largo de Angola e da Namíbia, onde as fontes hidrotermais ainda guardam mistérios —e provavelmente também novas espécies metanotróficas.
O sonho de Marlow na faculdade era trabalhar em missões a Marte. Interessou-se por micróbios em ambientes extremos porque achava que eles poderiam ajudar a entender a vida em outros planetas. “Agora, está claro que eles também são muito importantes na Terra”, observou.
Fonte: Uol